segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Coisas da saudade

Coisas da saudade
Acordei com o fedor do banheiro dominando a minha mente. O tempo estava chuvoso... um café na padaria, o calor se fez presente. Pé na estrada, ainda com os pneus de trilha.
O GPS e o celular, desligados. Capa de chuva, só a parte de cima. As gotas batiam no capacete, como um mantra.
Talvez fosse essa a ideia. Se perder, desconectar, desligar. Meditar sobre o asfalto com o mantra da chuva. Me encontrar quando me perder. Acho que é o sentido de uma viagem, afinal. Turistar já é outra coisa.
Lá pela metade do dia parei em um posto qualquer pra trocar os pneus pelos de rua e segui, com destino a Chapada das Mesas no Maranhão e a charmosa cidade de Carolina.
Numa parada qualquer, enquanto tomo uma coca gelada e um salgado, forma-se uma roda em volta da moto. Um senhor, do alto dos seus sessenta e tantos anos, veio animado me contar da realização do seu sonho: estava tirando a carteira de moto, apesar dos protestos da família.
Resmunguei baixinho: “Perigoso é passar a vida com medo de realizar seus sonhos”.
Atravessar para o Maranhão é uma epopéia a parte, a balsa no tocantins é uma bagunça só, e na fila conheci dois conterrâneos paulistas em um jipe frankenstein. Ainda chovia. Saindo da balsa paro na primeira pousada, logo à direita, um casarão a R$35 a diária. Cansado e molhado, descarrego a moto, e ao entrar no banheiro para tomar um banho quente relaxar, quem disse que tinha chuveiro?
Aqui é o ponto chave da viagem. Devo decidir: Meia volta, mais uma passada no jalapão, chapada dos veadeiros e casa, ou pegar sentido sol nascente, para Recife, visitar a família em Pernambuco e de lá voltar pra casa?
A chuva não me larga. Dane-se a chapada: vou rodar pra matar saudades! Aponto a moto ao leste e acelero.
Uma passadinha numa das principais cachoeiras da região (as quedas do “Itaborany”), mas o ambiente não era animador. Um cheiro horrível de urina e muito lixo nos arredores.
Saí dali, perdi a entrada pra atração principal da chapada e segui. Quando decidi colocar a capa, já estava completamente ensopado.
Numa parada pra lanche encontrei as primeiras motos viajantes de toda viagem “Os Caburés do Cerrado”. Povo gente boa!
Equivalente a fronteira do arroz com o feijão, a fronteira entre Maranhão e Piauí era a divisão de dois mundos completamente diferentes.
O Maranhão, verde e chuvoso, e Piauí, ensolarado e seco (e ressecado, diga-se de passagem).
Cheguei à cidade de Campina Grande, quase na divisa Piauí/Pernambuco, depois de alguns quilômetros assustadores rodados depois do pôr-do-sol, avistei uma pousada de cantinho, e ótima surpresa, era a primeira noite de funcionamento e eu era o primeiro hóspede! Quaarto excelente e barato: Ar-condicionado, garagem, cama box, televisão LED... e nada de chuveiro.
Banho gelado e cama.
Sem novidade, asfalto e estrada. Saí as cinco da manhã ,as sete parei já em Pernambuco e comi a melhor esfirra de frango da minha vida, e as três da tarde depois de novecentos quilômetros cheguei a costa de Recife. Entrei na casa dos meus pais e a chuva chegou no mesmo momento.
Fiquei por lá três curtíssimos dias.
Com olhos marejados, parto de Recife, agora apontando ao sul. Uma chata nuvem escura me perseguia, cheguei a colocar a capa, sem necessidade.
Aqui sem novidades, BR sempre, caminhões e mais caminhões. Eu queria parar em alguns lugares curtir, mas a saudade apertou e resolvi tocar. Alguns momentos e passei as divisas Pernambuco/Alagoas, Alagoas/Sergipe e depois Sergipe/Bahia.
Nunca havia pego a BR 101 na Bahia e o transito é assustador. Muitos, mas muitos caminhões, praticamente uma linha contínua. A moto carregada sofria pra ultrapassar.
Quando cheguei a Santo Antônio de Jesus, parei em um hotelzinho de beira de estrada qualquer e fiquei por lá.
Saio cedo de Sto Antonio de Jesus, e o sul da Bahia parece não ter fim. A pista simples, cheia de vendedores e lombadas, não deixava a viagem render. Pensei em fazer esse trecho pelo litoral, mas não sabia se era possível sem muitas balsas pelo caminho. Fica pra próxima.
Fiquei decepcionado com a chegada ao Espírito Santo. Placas iam indicando apenas um pedágio, nada de divisa. E o pedágio era a divisa, e nada de placa! E nada de pista duplicada. Pedágio sem pista duplicada é PIADA! E não ter uma placa de divisa de estado no mínimo é falta de respeito.
Da Bahia para o Espírito Santo, em termos de limpeza e orqanização, é muito visível a diferença. A Bahia é uma bagunça, mesmo comparada aos outros estados do nordeste. O Espírito Santo é bem organizado e lindo. Sinceramente não me lembrava de ser bonito assim na minha infância.
Essa impressão durou até procurar um hotel. Parei num grande posto que tinha um hotel pros caminhoneiros, mas estava lotado. Pouco adianta havia outro. Sem ninguém. No melhor estilo filme de terror.
O recepcionista me atendeu. Era cedo ainda, mas no outro dia queria ter tempo pra visitar o local onde cresci então não adiantava andar mais hoje. A moto foi pra garagem, e eu entrei no quarto. Logo após o recepcionista foi embora e não voltou mais. Acho que é por isso que ele deixou todas as chaves do hotel comigo. Fiquei realmente tenso, imaginei trocentas coisas acontecendo. Empurrei uma mesinha pra parte de trás da porta, tomei um banho e tentei relaxar e olhar o movimento (inexistente). Deu tudo certo e no outro dia meti o pé o mais rápido possível de Linhares.
Saí de Linhares ainda escuro e com os cachorros do hotel correndo atrás da moto. Esse agora é hours concours, pior acomodação da minha história até o momento. Passei por Aracruz, onde estudei quando criança e pude ver o quanto realmente a região cresceu. Fui pelo litoral até Jacaraípe absorvendo tudo o que fose possível. Deveria ter parado em algum camping por aqui...
Tomei um café em Jacaraípe, passei na frente da minha antiga casa e tentei localizar locais onde ia de bicicleta quando moleque. Onde antes só havia mato hoje são casas e prédios. Apanhei pra conseguir sair de Serra. Contornei Vitória e segui. Perto de Guarapari alguns pingos anunciam que a chuva veio me acompanhar.
Já chegando na divisa decidi que não iria passar pela cidade do Rio de Janeiro de moto. Não tenho coragem. Então bem próximo da divisa ES/RJ, parei em um posto e dei a última regulagem possível na corrente. Subi até Bom Jesus do Itabapoana e ali atravessei pro RJ, na pior estrada asfaltada em que já andei, tal de RJ 155. Parecia um imenso sonorizador, a moto cabritava feito louca e a cabeça já doía. A chuva já acompanhava há algum tempo.
Abasteci em três rios e o inferno começou. A chuva veio, com violência agora. Na absurda estrada do ferro, que por mais ridículo que seja é pedagiada, as água do Paraíba do Sul invadiam a pista em vários pontos. A chuva forte não deixava eu passar de 70km/h. O frio da serra fluminense chegava e acabava comigo. Pela primeira vez em toda a viagem, parei num restaurante de beira de estrada para almoçar e esquentar um pouco. Eu estava destruído já. Quebrado, moído e com frio. A moto vinha perfeita. Volta Redonda não chegava nunca! E o tempo tão ruim, que minha vontade era ficar por lá mesmo.
Quando começou o trânsito e Volta Redonda se aproximava, a chuva foi diminuindo. Atravessei a cidade, e quando cheguei na Dutra, me senti em casa. Cansado, fodido... Mas em casa. Cento e quarenta , cento e trinta, cento e vinte. Ia contando quilômetro a quilômetro a distância Por volta das nove da noite eu cheguei no portão de casa, botei a moto pra dentro, tomei um banho e desmaiei na cama. Até o momento, o dia mais longo e mais difícil em cima de uma moto: desesseis horas de pilotagem em baixo de chuva. Até o capacete estava ensopado por dentro.
Domingo curti com a patroa.
Segunda meu irmão veio em casa e botamos os assuntos em dia.
Terça, fui dar uma volta para fechar as férias com chave de ouro. Quando chego em casa, pronto para voltar ao trabalho no dia seguinte, recebo um recado da empresa. Mais dez dias. E em casa eu não vou ficar! Nem deu tempo de arrumar a moto!


Hidroelétrica das cachoeira gêmeas na chapada das mesas

Por entro da hidroelétrica desativada. Cheiro insuportável.

Uma das irmãs

A outra irmã

Primeiros viajantes que encontrei, possoal do Caburés do cerrado do Piauí.

Rumo Recife/Pe




Já descendo voltando para casa.


Km da moto na Bahia


Sul da Bahia


Estado da coitada depois de tanto abuso


Km final nessa parte


Logo vem a ultima parte!

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